- Contém Spoiler
- Fonte: Pipoca Moderna , Marcel Plasse
A melhor série de TV de todos os tempos chega ao fim na noite desde domingo (29/9) nos EUA. “Breaking Bad”
surpreendeu do começo ao fim. Começou sem pretensões em 2008, com uma temporada de seis episódios num canal que dava seus primeiros passos com conteúdo próprio. Mas as pessoas começaram a comentar. O humor negro, a violência, o mau caratismo. A atração se tornou cult. Tinha uma audiência de 1,2 milhões. Passou a 2 milhões. Era um “sucesso” no canal pago AMC, que só tinha “Mad Men” na mesma toada.
Cinco anos depois, essa audiência cresceu 500%. Fãs estão organizando festas para assistirem juntos ao final. Nesse processo, houve uma mudança de percepção que tende a afetar o futuro das séries. O que era “muito sombrio e violento” para ser considerado palatável se tornou “espetacularmente bem escrito e impressionantemente bem interpretado”. A coroação foi o Emmy de Melhor Série, conquistado na véspera de sua despedida.
Segundo o criador Vince Gilligan, a culpa é da Netflix, das redes sociais e da internet. Todo mundo com uma conta na Netflix aparentemente encarou maratonas com episódios da série para ver do que é que tanto falavam no Twitter e no Facebook. E Gilligan soube reconhecer, em seu agradecimento durante o Emmy. “Eu sindo que a Netflix nos manteve no ar. Não acho que nossa série teria durado além da 2ª temporada se não fosse por video streaming, social media e a internet. Esta é uma nova era e tivemos sorte de nos beneficiar dessas inovações tecnológicas”, ele discursou.
Claro que todos esses fatores apenas alimentam o interesse por bom conteúdo. Gilligan é modesto ao afirmar que não é o gênio que a mídia agora quer consagrar. Assediado pela imprensa para falar do desfecho da série, ele faz questão de compartilhar o mérito com a equipe, “vários escritores, diretores e atores fantásticos”.
O criador de “Breaking Bad” é franco em admitir que a série tomou rumos que ele não previa. E que, ao longo do percurso, mudou de ideia sobre muitas coisas que pretendia fazer, quando a criou. “Eu achava que Jesse Pinkman [Aaron Paul] deveria morrer no final da 1ª temporada”, admite. “Mas eu também achava que a história só duraria até a 3ª temporada. Ela se tornou muito mais sombria e rica que eu jamais poderia prever”, avalia. “Mas se não fosse pelo talento natural de Bryan Cranston, as pessoas não ficariam tão interessadas em acompanhar essa história por tanto tempo”, completa.
Cranston, que era considerado um ator de comédias (estrelou “Malcolm in the Middle”), ganhou três Emmys de Melhor Ator de Série Dramática por seu retrato de Walter White, um professor de química que, ao ser diagnosticado com câncer, resolve produzir metanfetamina para deixar algum dinheiro para sua família quando morrer. Mas Walt se mostra duro de matar, ambicioso e impiedoso, enquanto seu produto se revela a droga mais pura do mercado, despertando o interesse do tráfico internacional.O ator diz que foi “Mad Men” que o convenceu a aceitar o papel. “Walter White era
completamente diferente não só de tudo o que eu tinha feito, mas de tudo que havia sido feito na TV até então”, ele contou, no começo da produção. “Tive receio, claro. Se a série não tivesse apoio do canal, não iria além dos primeiros episódios. Ela precisaria de dedicação. Mas quando estava pronto para recusar o papel, os executivos do AMC me enviaram um pacote com capítulos de ‘Mad Men’, com uma nota dizendo: ‘É isto que queremos fazer no canal’. Assisti, de boca aberta, e topei a aventura”.
Agora, a aventura termina. Para quem considera prematuro, especialmente no momento em que a febre “Breaking Bad” atinge pico, seu criador responde com a lembrança do final de “Arquivo X”, série em que começou sua carreira de roteirista. “A gente queria continuar, mas até os fãs sabiam que ‘Arquivo X’ tinha durado mais do que devia. E eu não quero que isso aconteça com a minha série”, ele apontou, na maratona de entrevistas para a imprensa americana na semana passada.Gilligan diz que, ao contrário da maioria, é fã do final ambíguo da “Família Soprano”, mas, para alívio dos fãs, se define “mais como um cara de finais
definitivos”.
Ele conta que, embora soubesse como a trajetória de Walt terminaria, foi apenas na sala de roteiristas, quando cada personagem teve seu destino discutido, na reta final da produção, que os últimos episódios ganharam seus contornos. “Minhas duas maiores preocupações eram Skyler [Anna Gunn] e Jesse [Aaron Paul]. O que os faria se voltar contra Walt e o que aconteceria com os dois depois disso”, Gilligan revelou.A decisão foi não deixar os confrontos para o último minuto. E isto fez do
antepenúltimo episódio, intitulado “Ozymandias”, o clímax da série. Gilligan diz que é “o melhor episódio que tivemos e teremos”. E nem foi ele quem escreveu. Os créditos são de Moira Walley-Beckett e a direção foi assinada pelo cineasta Rian Johnson, o talento por trás da sci-fi “Looper” (2012). “Geralmente, um episódio tem uma cena grandiosa, sobre a qual dedicamos mais atenção, mas, do jeito como Moira escreveu, cada cena tinha enorme impacto”, refletiu Johnson, após a exibição.
Seguindo-se às cenas atordoantes de traição, morte e tortura (aludida), o penúltimo episódio pareceu um epílogo, admitiu o roteirista, diretor e produtor Peter Gould, que assinou e dirigiu a trama de “Granite State”. “Não dava para ir acelerando cada vez mais”, ele ponderou, em entrevista ao site The Hollywood Reporter. O objetivo era mostrar Walt sob o peso dos últimos acontecimentos: impotente, isolado, abandonado por todos os que ama. Em suma, tentar fazer com que o público voltasse a simpatizar com ele, mesmo após as coisas terríveis que o viu fazer.Para o escritor, foi um episódio especial, porque foi “sobre
consequências”. “Walt chega nesse beco sem saída, onde nada do que fez trouxe a estabilidade financeira que esperava deixar para sua família. Ao contrário, os deixou pior que antes”, descreve. “Queríamos que o personagem sofresse de uma forma real, para que o público voltasse a simpatizar um pouco com ele. Por isso, o sentimento de derrota, a dor, o desprezo e a sensação de ter perdido tudo o que considerava importante”.
O que resta a Walt é vingança. Uma trilha, segundo Gilligan, que só tomou forma após o pedido de um fã especial, um telespectador de 16 anos com câncer terminal. A família de Kevin Cordasco procurou Cranston para que ele atendesse o último desejo do menino e fosse conhecê-lo. O ator ficou comovido com o conhecimento do jovem sobre a série e impressionado com a positividade com que enfrentava sua situação. Assim, convocou outros integrantes do elenco a visitá-lo. Inclusive Vince Gilligan.
“A certa altura, eu lhe perguntei o que gostaria de ver no final da série”, contou Gilligan, sobre sua visita. E a resposta o surpreendeu
.
O menino queria saber o que acontecia com Gretchen e Elliott, os antigos sócios de Walt na empresa Grey Matter, que serviram de álibi para o dinheiro de seu tratamento médico. Personagens que Gilligan tinha esquecido e sobre os quais não se falava desde a 2ª temporada. “Eu levei o seu questionamento para uma reunião com os roteiristas e isso abriu uma nova possibilidade para o desfecho, que não teríamos se Kevin não os tivesse mencionado”, acrescenta.
O resultado foi introduzido no penúltimo episódio. Uma entrevista do casal menosprezando a contribuição de Walt, agora um criminoso procurado, em sua empresa bilionária. Uma cena vista na TV de um bar pelo derrotado Walt, enquanto espera a polícia vir prendê-lo ou dar logo um fim na sua vida miserável. E que vira a motivação que ele precisa para sair do buraco em que se meteu e reagir. “Falar mais seria entregar o final”, resumiu Gould, sobre a participação dos dois personagens.
Gilligan, porém, quis salientar a
contribuição do fã número 1 de “Breaking Bad”, até apontando o rumo do último episódio, algo que reluta em fazer, para homenagear o responsável por sua inspiração. Kevin Cordasco morreu em março.
Questionado sobre se haveria chance de redenção para Walt nos últimos minutos, ele afirma que iria contra tudo o que foi feito até então. “Como roteiristas, não temos a intenção de redimir ou condenar ninguém, apenas contar a melhor história possível, considerando a trajetória dos personagens. Mas como Saul Goodman [Bob Odenkirk] diria, ironicamente, Walt está a dois milagres de conseguir virar santo. Ou seja, por tudo o que fez nos 61 episódios anteriores, nada poderia redimi-lo. Mas isto não significa que ele vá sair de cena numa nuvem sulfurosa”.
Escritor e diretor de “Felina”, o final da série, Gilligan admite ter sentido a pressão para entregar um desfecho que não arruinasse a
experiência de quem acompanhou toda a trajetória de Walt. “Mas depois de tudo filmado e editado, boa parte do peso foi embora”, explica. “Já terminamos faz seis meses. E acredito que é o fim que a série precisava. Acredito que fizemos justiça à série. Suspeito que algumas pessoas prefeririam outro fim, porque é impossível agradar a todos, como sabemos, mas me sinto satisfeito com o que fizermos.”
“Tudo que é ruim termina”, diz o slogan da temporada final, referindo-se à maldade de Walter White. Infelizmente, o que é bom também, e a TV nunca teve nada tão bom quanto “Breaking Bad”.
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