Fonte: Omelete
Como a criação de Vince Gilligan tornou-se um novo marco no formato das séries
A "nova onda" da televisão dos EUA começou com A Família Soprano. A série da HBO inaugurou uma nova era de qualidade no formato seriado, seguida por The Wire, da mesma emissora. A rede AMC entendeu a fórmula e mostrou-se à altura trazendo ao público Mad Mene Breaking Bad. Juntas, essas quatro brilhantes atrações - melhores do que o grosso da produção cinematográfica dos últimos anos nos EUA - formam os alicerces de um futuro empolgante para o entretenimento televisivo.
Com o fim de Breaking Bad - e o último ano de Mad Menaproximando-se - fica um novo paradigma do que se fazer em séries.
A criação de Vince Gilligan, que inicialmente parecia uma versão mais realista e menos engraçada de Weeds, em apenas um episódio já mostrou a que veio em 2008. Não precisava ser crítico ou especialista para sentir o anseio por qualidade técnica acima da média em Breaking Bad. Com uma fotografia saturada, fazendo o público sentir na pele o calor da desolada Albuquerque, no Novo México, valorizada pela câmera que frequentemente brincou com primeiras pessoas e ângulos inusitados, grandes angulares e pontos-de-vista impossíveis, a série encontrou seu estilo - e manteve-se nele - logo de início.
Se Don Draper e Tony Soprano podem ser perdoados ao observarmos o contexto que estão inseridos (os anos 60 e o código da Omertà), o mesmo se aplica ao Sr. White, o pacato professor de química do início da série. Morrendo de câncer, sem esperança de tratamento por conta do implacável sistema de saúde dos EUA e amargando a derrocada do sonho americano depois de deixar para trás uma empresa que se tornaria bilionária, o Sr. White resolve tomar as rédeas do seu destino. Começa a "cozinhar" metanfetamina ao lado de um ex-aluno junkie, Jesse Pinkman (Aaron Paul), e se insere no mundo do crime. Se o governo não vai ajudá-lo, que mal há em defender seus próprios interesses em nome da vida e da família? Está perdoado, Sr. White.
Segue então a inovação de Breaking Bad. Conforme as temporadas foram se desenvolvendo, o professor genial virou um mafioso. Heisenberg, com seus óculos escuros e chapéu, tomou o lugar do homem de bem.
Enquanto Don Draper tem o sex appeal que torna perdoáveis seus excessos, enquanto Tony Soprano é o urso protetor carismático, que come sanduíches entre seus assassinatos e sofre com estresse, enquanto os personagens de The Wire são realistas em seus tons de cinza, Heisenberg é um crápula único.
Walter White encara suas circunstâncias e opta conscientemente pela sua mudança. Escolhe tornar-se mau. Em seu livre-arbítrio torna-se Heisenberg.
Quando o criminoso aflora, o professor de química é deixado para trás. Quando ele embala sua filha, o faz com as mãos sujas de sangue. Ele opta conscientemente por tornar-se um monstro. Sua desculpa é que "tudo é pela família", mas ao longo dos anos nota-se que é por prazer, por satisfação pessoal. Heisenberg é o macho alfa, outrora desacreditado e deixado para trás, que agora corre à frente da matilha, enfrentando os outros líderes. A última temporada é brilhante em esclarecer isso, em remover do personagem suas muletas e escancarar o que estava dolorosamente óbvio.
Assim, Vince Gilligan faz história na televisão ao usar o único elemento que efetivamente a distingue do cinema, a duração e serialização, de forma a explorar e alterar dramaticamente seu protagonista. Até o gênero do programa mudou, perdendo em suas últimas temporadas quase todo o humor. Em contraste, Pinkman segue quase invariável e e os cenários frequentemente são reaproveitados, quase como um lembrete de como era a televisão antes de Breaking Bad.
O gerúndio no título já alertava desde o início que esse era o objetivo do programa, a construção do mal, a passagem para o outro espectro da moralidade. Mas, acostumados com décadas de séries em que personagens passam temporadas depois de temporadas sendo eles mesmos, todos optamos em não ver isso. A televisão nunca mais será a mesma.
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